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24 de Abril de 2024
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    Delação Premiada - Proibição para quem está preso

    há 9 anos

    * Luiz Flávio Borges D’Urso

    Nunca se viu tanta delação premiada no Brasil. Essa frase tem povoado incontáveis conversas no seio da população brasileira.

    A delação premiada consiste num acordo celebrado, de um lado, pelo investigado, acusado ou condenado e, de outro, pelo Estado. Esse acordo se perfaz com a confissão ou com informações relevantes do agente criminoso, que negocia com o Estado benefícios que reduzam sua pena ou lhe propiciem até a obtenção do perdão judicial.

    Nossa legislação contempla a delação premiada, também denominada colaboração premiada, desde a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072, de 1990). Durante muitos anos discutiu-se o formato da delação premiada. Somente com a promulgação da Lei de Combate às Organizações Criminosas (Lei 12.850, de 2013), é que se desenhou um procedimento mais completo sobre a delação premiada.

    A delação premiada, como prevista hoje em nosso ordenamento, estabelece a necessidade de sua efetividade, vale dizer, que seja relevante e propicie resultado, identificando autores do delito e provas do próprio crime, estrutura da organização criminosa e seu “modus operandi”, de maneira a dar suporte a uma condenação judicial. Deve também ajudar na prevenção de novos crimes e na recuperação do produto delituoso.

    A lei estabelece que a negociação, que é o cerne da delação premiada, não pode ter a participação do magistrado que, ao depois, deverá homologá-la. O acordo, portanto, deve ser realizado entre o delator e o agente do Estado, vale dizer, o Delegado de Polícia e/ou o representante do Ministério Público, sempre com a presença do Advogado.

    Esse acordo que, pode-se dizer, é um verdadeiro contrato, deve trazer as condições propostas, negociadas e estabelecidas pelas partes, devendo ainda o delator se compromissar a dizer a verdade e renunciar seu direito constitucional ao silêncio.

    Nunca é demais reiterar que a palavra do delator não é prova judicial, mas somente informação, pois necessita, para se tornar prova processual, que outros elementos probatórios venham corroborar o que foi informado.

    Assim, a palavra do delator que não encontre, durante a instrução, elementos de prova a convalidá-la, não poderá servir de fundamento para uma sentença condenatória. Importante destacar que não se fala aqui da mentira, pois neste caso a delação premiada será rescindida.

    A delação premiada, todavia, somente se aperfeiçoa, produzindo o resultado pretendido, quando da sentença, oportunidade na qual o magistrado examinará a eficiência do acordo, e se tudo o que fora pactuado foi realmente cumprido.

    Convém destacar que o juiz que proferirá a sentença, não está obrigado aos termos do acordo, podendo decidir, independentemente do que fora acordado. Aqui, sem dúvida, reside outro ponto de fragilidade e desconfiança quanto ao instituto.

    Uma das principais regras a ser observada é a da voluntariedade, pois a delação premiada não pode ser compelida ao delator, que jamais poderá ser forçado a delatar. A voluntariedade está intimamente ligada à origem da delação premiada, pois o delator deve agir movido pelo sentimento de arrependimento ou de colaboração com a Justiça, afastando-se da prática criminosa.

    Imenso debate se trava hoje sobre esse ponto, pois a voluntariedade deve significar que a delação será feita livremente, negociada sem pressões ou ameaças, isto tudo num ambiente de liberdade para decidir.

    Como afirmar que alguém que realiza uma delação premiada possa fazê-la de forma voluntária, se este alguém que já é alvo de uma investigação, ou de um processo criminal, encontra-se preso cautelarmente?

    É inegável que o homem preso preventivamente está submetido a uma enorme carga emocional que o oprime, submetido a uma das mais doloridas e sofridas experiências de um ser humano. Não é por acaso que a humanidade buscou o pior castigo para punir alguém na supressão de sua liberdade.

    Ora, como alguém que não pode ir e vir livremente, que é submetido ao convívio nefasto do cárcere, que sofre as humilhações do aprisionamento, que suporta a vergonha da cadeia para seus parentes e amigos, que muitas vezes enfrenta a superlotação carcerária e até sevícias físicas e sexuais, como alguém submetido a essa pressão psicológica pode preservar sua voluntariedade?

    Por óbvio que o espírito da voluntariedade inexiste nesse ambiente e compromete a iniciativa da delação premiada, que é buscada para se obter a liberdade.

    Nem se vislumbra aqui a odiosa prática de se deliberadamente prender para forçar a delação premiada, pois tal representaria um crime estatal tão nefasto quanto o crime que se deseja combater, inadmissível num Estado Democrático de Direito, onde todos, Estado e cidadãos, devem se submeter às leis.

    Assim, o instituto da delação premiada não é um mal em si mesmo, até porque representa, na sua essência, uma alternativa para a defesa, todavia, é preciso aperfeiçoá-lo, e a proposta que apresentamos, é a proibição da oportunidade da delação premiada para aquele que se encontra preso cautelarmente, pois dessa forma se estaria preservando a obrigatória voluntariedade, que hoje é tão questionada no Brasil.

    * Luiz Flávio Borges D’Urso é advogado criminalista, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, e foi presidente da OAB SP, conselheiro Federal da OAB, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM) e professor Honoris Causa da Faculdade de Direito da FMU.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/delacao-premiada-proibicao-para-quem-esta-preso/217083664

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